AFINAL, COMO PRATICAR A ESCUTA ATIVA?

Ivanda Sobrinha, coordenadora da causa de violência do Instituto, traz orientações sobre como oferecer escuta qualificada e apoio a mulheres em situação de violência.

De acordo com o Mapa Nacional da Violência de Gênero, 70% das vítimas de feminicídio não fizeram denúncia de violência e 81% das mulheres vítimas de estupro não procuraram os serviços de atendimento. Esses dados alarmantes indicam que a maioria das mulheres não comunica as violências sofridas e, pior, morre sem falar. 

Mais do que incentivar a fala que liberta e encoraja mulheres a romperem o ciclo da violência, a campanha Vozes Entrelaçadas nos convida à capacitação para praticarmos uma escuta ativa, acolhedora e qualificada e enfrentarmos, como sociedade, as diversas formas de violência contra a mulher. 

Ivanda Sobrinha, assistente social e coordenadora da causa de violência contra as mulheres do Instituto, traz orientações sobre como oferecer escuta e apoio, promovendo o diálogo sobre os diferentes tipos de violências e conhecendo os meios de acolhimento existentes. 

 

Quais costumam ser os principais fatores que levam as mulheres a se calarem diante de uma situação de violência? 

Quando falamos de violências contra as mulheres, posso apontar o medo do julgamento como um dos fatores que garante o silenciamento; infelizmente, culpar a vítima por vivenciar a violência é um traço da nossa sociedade machista e misógina.

Descredibilizar a fala da mulher em decorrência das circunstâncias do crime, até bem pouco tempo atrás, era usado como instrumento de defesa de autores de violência. Não é incomum ser perguntado a ela o que fazia naquele horário, naquele lugar, com aquela roupa, ou até mesmo o porquê não buscou ajuda ou atendimento num tempo “dito oportuno”. É ignorado, de forma sistemática, o direito da mulher de estar em sociedade, a partir do momento em que ainda se ouvem tais questionamentos.

Nós, mulheres, vivemos em uma sociedade que nos vitimiza e revitimiza, tanto em nossas relações sociais quanto no campo das políticas públicas. O arcabouço de legislação potente que temos ainda não nos traz a segurança da escuta adequada, não julgadora.

É importante garantir o direito a toda mulher de buscar e receber o apoio adequado tendo ela passado por situação de violência.

 

O que é a prática da escuta ativa? E o que não é? 

Escutar uma mulher vai muito além do que ouvir o que ela tem a dizer. A escuta ativa traz consigo o olhar empático e não julgador. Traz a disposição do escutar e pensar junto com a mulher sobre as possibilidades de mudança, mas com foco centrado no desejo da mulher e não na perspectiva de quem ouve, ou seja, escuta ativa e acolhedora requer do ouvinte se despir de suas próprias convicções em relação à situação e trabalhar junto com a mulher um caminho do qual ela seja parte, esteja incluída.

Iniciar um diálogo com uma mulher que tenha passado por violências com os "porquês" nunca é um bom caminho, simplesmente pelo fato de ela não saber o motivo de ter passado por essa ou aquela situação. Como ela não tem respostas, o momento ganha contornos inquisitórios se houver esses questionamentos.

Começar com o diálogo trazendo “De que forma posso te apoiar?” ou “Como eu posso te ajudar nesse momento?” é o mais adequado. Esse caminho de escuta, que acolhe e inclui quem precisa de orientação, demonstra na fala que ela não precisa passar pela situação sozinha.

Além disso, escutar ativamente também traz consigo o respeito ao tempo da mulher. É importante apontar caminhos possíveis para transpor o cenário de violência, mas sem que isso passe por pressioná-la a tomar decisões. É necessário lembrarmos sempre que tomar a decisão de falar com alguém sobre as violências já é um passo muito importante; assim, acolha a voz da mulher e  apoie-a na transformação do que era um silêncio em um caminho para uma nova trajetória de vida, com informação de qualidade, direcionando para atendimentos mais adequados e especializados.

 

Como podemos nos capacitar para formar uma rede de apoio eficaz de acolhimento e orientação às vítimas? 

Nomear adequadamente as violências é fundamental, pois só é possível orientar se conhecermos os tipos de violências contra as mulheres.

Trago como exemplo a Lei Maria da Penha, uma legislação conhecida por 99% das brasileiras, contudo apenas 20% delas conhecem os mecanismos de proteção que a lei traz em seu arcabouço.

A percentagem do conhecimento da existência da lei precisa se igualar ao conhecimento sobre os tipos de violência. Ainda hoje se dá destaque à violência física, mas a Lei Maria da Penha, que trata da violência doméstica e familiar, aborda 5 tipos: psicológica, moral, patrimonial, sexual e física. Nomear e conhecer o que está contido em cada uma das violências é muito importante para conseguir escutar e orientar as mulheres que vivenciam a situação.

A Lei Maria da Penha é uma legislação sociojurídica, ou seja, que está ancorada também na proteção e acolhimento; apenas 30% são relativos à punição.

As medidas protetivas de urgência existem para a proteção da mulher e não para punição da pessoa autora de violência. Além disso, a lei aponta para a disponibilização de serviços especializados de atendimento, que devem atuar de maneira articulada e estruturada para garantir o direito que a mulher tem de ser atendida em suas demandas quando vivenciar a violência. Na cidade em que você mora, é interessante procurar saber onde estão localizados:

  • Centros de Referência Especializados de Assistência Social-CREAS
  • Centros de Referência de Atendimento à Mulher - CRAM
  • Delegacias de Defesa da Mulher

É possível encontrar mais informações no site da Campanha Vozes Entrelaçadas, no www.institutoavon.org.br/agostolilas. E se você passa por violência doméstica ou conhece alguém que vivencia a situação, mande uma mensagem de WhatsApp para a Ângela, a assistente virtual do Instituto, no (11) 94494-2415. Não é um canal de denúncia, mas de orientação e apoio.